quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Falando de flores




Para dentro do mais profundo sentido: isso de aguçar o ânimo e, pelo ímpeto da beleza, ainda esperar da vida. E muito. Vendo com o toque e atingindo com o sonho. A inspiração. Clariceanamente a incumbência de zelar pelo mundo. Amando por cima dos jornais; doando para além da nossa mendicância.
 
Para fora e sentir o obtuso que comanda o mundo em histórias atuais. O real que invento para ser ameno e algum sonho gerar. Um copo d'água deslizando sobre nossa sede. Banho de mar noturno consigo e com Ela. Primavera constante. A aula que transforma. O aluno que ensina. Folha que traz a fé. Roupa branca todo dia. Dança apaixonante entre Billie e Bethânia; silêncio ao som de Tiganá.
 
Festa. Morar na descoberta de outra cidade. Ao longe como pirraça e prazer. Ser-me à leitura de Hilda. Viver acima do desgaste. Agora, adolescer... Plantar a árvore, cantar pra Tempo. Transcender o barulho que impede a fruição. Olhar no olho do outro e nos alcançar. Fazer delicadeza.
 
Fernando tomando-me a pessoa no transe da comoção. Poesia. Caminhada descalço à luz da lua. O vento que transporta. Abrir a porta para ele entrar. Caetanear com o corpo a juventude alheia. Desejar. Estar do lugar onde o inteiro me traduz. Erros. Acertos. Meu abraço de doçura e poder. O quase que não sai de mim. Como o azul. E o verde da minha casa. O mar.

domingo, 21 de outubro de 2012

Tiganá Santana: The Invention of Colour

Ali: uma proposta. Sutil e misteriosa como sua "capa"; transcendente, envolvente, concreta como sua música. Voz do lugar da inspiração comungando com outras. Acerto de contas, neste tempo, da criação entre baianos no campo artístico do mundo. A imagem do som. Uma certa rascância no falar de Deus. O corpo que dança. O som.
 
Ali, misto de ar no planeta água, não há o que encontrar... Tudo se exerce na auditiva construção. O interno como repetição para se ter luz no caminho. Não há geografia nesta luminária africana. O som. O que não se diz em idiomas e por isso, assim, todos alcançam. Elevação que é mercado. Mercado que é intransição. Fagulhas sonoras de uma filosofia. Pedra que inicia para o pó que destitui. Linguagem do amor. Novidade no passado. Instante sem futuro. Ali, aqui, agora.
 
A neutra invenção da cor. Que é negra.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Árvore da sede



São muitas as minhas sedes e nem as sei procurar. Tenho deixado a vida seguir, a correr feito água abrindo caminhos por mim. Cada relato é luz acesa e voz centelha me apontando como fluir. Estou sob o domínio alheio dos olhos outros à fresta de uma árvore, obtendo a coragem para dizer sim.

Nunca soube ter razão e é o quase o que mais me comove. Ouço música para estar aqui. E filmes vejo para me abandonar; a leitura é a grande emoção do sexo na alma como se na cama. Tenho visto coisas demais e abominado as notícias. Quero a calma dos sábios na brisa dos dias dos desapegados. O amor me tortura. Mas o que mais quero é amor. O silêncio é a escola mais eficaz. Tenho como passatempo, pássaros à luz da minha imaginação. Reinvento com a voz na cena alhures, pulando as dificuldades.

Digo absoluto para ser altivamente abstrato. Vivo desse construto que fala demais, é palavrório demais e nada sabe. Minhas repetições são inovações na tela da TV. Estou fora deste tempo para menos e para mais. Retrato-me na pele alva da música, tatuagem no braço do rapaz.

Digo: aproxima-te! Tenho o verde dos mares, o branco das nuvens ar e a camisa clara no azul de dentro de mim; tenho perguntas também, mas a boca calada à espera do beijo que você tem que dar. Tenho a delicadeza exata das mãos gerando prazer.

Aquele som me fascina. É o centro do seu segredo. Sombra e luz: batuque guiando sentido ao coração. Página alusiva às festas nas florestas quando suas mãos em fome. O som que me fascina no deserto instante que nos encontramos sem saber – e é você me tornando música pura.

Nós jogados nas águas ferventes desta sede.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Ciranda de dois e o tempo






Arde os ouvidos.
Concisa solidão
Onde tudo posso ter.
Caminhos percussivos
No coração a ceder.
Transmedo quando toco;
Fuga e ficar à luz do nada.
Posse solitária do "você":
Entrave nesses olhos,
Ciranda em nós dois,
Noitinha sem sua voz,
Perguntas aos lençóis,
Batuque seu minha poesia.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Minha Salvador


Reluz nos meus dias...
Faz chegar...
Sonata dessa cidade em que nasci,
procura paz amor em mim,
na festa profunda da minha Fé!

Vontade de lhe abraçar!

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Maria Bethânia, A noite do meu bem


Pra você do jeito que você quiser


O luxo de sentir sob o ultimato da beleza: Maria Bethânia

PPP

Antes que mais careta me torne e não saiba dissolver a mediocridade que me tenta.

Antes que o Facebook seja a minha única alternativa de comunicação e eu perca a força humana do abraço.

Antes que a ciência seja maior que a arte.

Eu quero o agora desta imagem e sê-lo TEOREMA.

Digo do meu jeito de sentir amor pelo mundo e sofrer os olhos do rapaz.

O ar arriscado é a pura sedução: me toco nele. Sou-lhe ator, tela, cinegrafista, contraregra. Mais: espectador.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Meta existência


 

Para Maria Prado de Oliveira

Porque me pergunto dentro do texto sumidouro, ancorado no pretexto de ter que negar quem eu sou. Alavanco essa falta de ciência para ter como chegar às 22:30h. Horário sem novela, sem conversa, sem amor.

Às 22:30 o mundo dorme para acordar o melhor de mim. Descrevo a dor de não saber fazer silêncio. Penso nas fotografias que emolduram a minha casa cafona, tão minha como nunca fui de mim mesmo. Corro, nessa horinha, à janela semiaberta para vir o que não deixei ir e marulham canções, ventam emoções; esvaio-me nas brochuras que serão eu – o texto.

Lacunas – nunca soube juntar direito. Nem palavras, nem sonhos, nem gestos, nem pessoas... Minha alma que se relata torna-se uma espécie de espelho: que outra imagem se verá em mim?

Partilho-me em palavras feito sangue que contamina. Quero a delicadeza. Quero a beleza que macula e faz pensar. Quero o instante que dá fome. Quero o abrupto que faz criar. Quero navalhar o estar da minha cidade e fazer do seu povo, pássaro da agressividade.

Não pergunto sobre o continuar, porque não investigo a morte. O tempo é este. E só sei do agora. Só sei do que me abriga e obriga a escrevinhar as entrelinhas do que mais sou. Retrato-me em cores escolhidas arduamente por mim. Retrato-me aludido à Frida. Justaposto ao menino bandido drogado no Largo em que habito.

Separo-me das sutilezas para ter-me no texto claro que tento ser, mesmo sem saber quem ou o que eu sou. Escrevo. Contamino. Viro espelho de ninguém e mesmo sozinho sei: multidões me acompanham.

Fecho-me em traços desta prosa rancorosa, mas aspirante. Um dia, se futuro houver, a poesia tomará conta deste meu rosto criado aqui.

Então – eu serei silêncio sem precisar saber de mim.

 

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Caetano Veloso: Tropicália



Parece, em mim, o retrato da realização em fragmentos da impossibilidade. Um homem diluído em muitas linguagens acenando para a transformação. O jeito descontente no sorriso que ilumina. O que diferente não poderia ter sido, e incita a não ficar no lugar. Escritos boiando nos esconderijos da vida, tesouro distante no solo desconhecido do Recôncavo –formato baiano num diálogo com o mundo. Poeta de qualquer língua em qualquer cidade. Poemas que nos desfiguram e alteram nossas verdades. Coragem do ser, agonia do tempo, destempero pedagógico, libido, amanhecer.

Atropelo nos padrões quando a chegada do homem quase menino mulher negro santo demônio orixá ateu. Idílio da solidão e o filme narrando a sua grandeza. Valor da existência entre o nada e a música: morada da memória que o eterniza. Receitas comportamentais na dança certeira da sorte. Programa dos deuses. O menino nascido mito e lançado à verve das contradições. Sísifo. Domínio do Oráculo de Ifá. Teoremas e traços calculados. Cigana sem consorte. Desamparo no medo. Odé contra a morte. Mulato cartesiano.

Nitidez abrasiva num projeto coletivo. O que mais sabia e ardia; era dureza, agridoçura, sexualidade ambígua e acesa, vontade de causar e ficar no sempre do país que ajudou a reinventar. A palavra como arma a favor também da conservação. Transbordo da beleza mais vital que deu sentido existencial a quem carecia pensar diferente.

Ele é o ingresso nas maneiras do fazer profundo: mercado e academia, literato e repentista, ator e galã, cantor de cameratas e agitador de multidões. Homem de batom rosa na boca. Os olhos tristes de Londres. Desenho seu que faço na face secante das águas do Abaeté ouvindo It’s a Long Way, esperando mais palavras e sons que recontem a sua história e impilam o exercício deste meu amor.
 
P.S.  Depois de assistir Tropicália.

domingo, 7 de outubro de 2012

Claudia Cunha: voz íntima da beleza



Salvador anda desértica, pálida, ensimesmada na mesmice. Arrochada demais, criativa de menos. Mas, às vezes, circula, sonoramente, a esperança por nossos ares. Numa noite, 11 de setembro de 2012, no histórico Teatro Vila Velha, às 20h., a voz de uma mulher, inclinada a celebrar a trajetória artística de uma das maiores cantoras do mundo, surgiu como ensinamento para afirmar que ainda podemos ser.

Aconteceu no show Solar. Claudia Cunha, a excelente cantora paraense existindo entre nós, revisitou o repertório de quase 50 anos de Gal Costa, e mostrou à plateia, que superlotou o Vila, a presença de qualidade na música produzida na Bahia atualmente. Foram récitas de canções como Flor do maracujá, Me recuso, Eternamente, Barato total, da safra diversa e modernizante de Gal, cantadas sem saudosismo, sem parcas imitações, sem exageros. O repertório foi brilhantemente executado numa espécie de homenagem que só uma grande artista pode fazer.

Ali, ao se ouvir Claudia Cunha, artista sem o destaque e o reconhecimento merecidos, a sensação foi de intrigação e deleite; a voz que tempera canções, numa afinação de transbordo governando nossa respiração e nos alimentando de ideias.

Foi inexprimível sentir aquele canto, assistir à cantora acompanhada pela excelente banda, numa interpretação arrebatadora da canção Negro amor, versão de Caetano Veloso, que é um dos emblemas potencializadores da voz sublime da Gal Costa, e Claudia a cantou como síntese do seu próprio talento, ali, à disposição da história da eterna Gal.

Claudia Cunha é um ser advindo do mistério das sereias, entre mar e igarapés; seu canto é fonte de luz e nos convida a cuidar de nossa cidade, do nosso convívio, da música que possamos para além dos dias de Carnaval. Uma menina mestra, senhorinha das canções, que tem que assistir a outras claudias dando “lições de canto”, em programas dominicais, só para estender a banalidade que toma conta do mercado musical neste país.

Ouvi-la daqui, frente às águas da nossa baía, geradoras de Dorival Caymmi e Tiganá Santana, é saber que nós podemos muito.
(Publicado no Opinião, p.3, Jornal A Tarde, em 04/10/2012)

sábado, 6 de outubro de 2012

A reclusão de Rogério Duarte, mentor do tropicalismo

 

Figura fundamental na intelectualidade brasileira dos anos 1960 e 70, o designer, hoje leva vida religiosa em Salvador e terá sua trajetória documentário

 

Rodrigo Sombra ( O Globo - Cultura em 15/09/2012)

 

 

SALVADOR - ‘Quando eu vejo aquela Nina da novela xingando Carminha: “Sua vaca, sua vaca!”, eu penso: Meus Deus, que mulher imbecil, quanta ignorância... — diz o designer Rogério Duarte, devoto Hare Krishna, em protesto contra a heresia ao santo nome da vaca.

Rogério é caso singular na arte brasileira de quem atravessou marxismo, Cinema Novo, Tropicália e realizou-se na filosofia hinduísta. Celebrado pelas capas de LPs que fez para Gil, Gal e Caetano, foi mentor intelectual do tropicalismo nas artes gráficas e fora delas. Zé Celso Martinez Corrêa, Hélio Oiticica e Torquato Neto são tributários de suas ideias. O homem que Glauber Rocha disse estar “por trás de todos nós”, contudo, há décadas acostumou-se ao anonimato. Convertido ao movimento Hare Krishna, recolheu-se a uma vida religiosa e passou a se ocupar da discreta missão de traduzir sânscrito.
Em fase de pré-produção, um documentário sobre sua trajetória a ser rodado nos próximos meses pelo cineasta baiano Walter Lima promete devolvê-lo à superfície.
 — A ideia (do documentário) é mostrar o Rogério pensador — explica Walter. — Além de um designer maravilhoso, ele é uma figura fundamental na intelectualidade brasileira dos anos 1960 e 70, como foi Oswald (de Andrade) na década de 1920.
Há anos Rogério vive sozinho em Salvador e diz raramente encontrar os amigos tropicalistas. Práticas de meditação, trigonometria e xadrez on-line hoje lhe ocupam os dias. Mais magro do que nas fotografias conhecidas da juventude, há um ano superou um câncer nas cordas vocais e aparenta levar uma vida austera. Na sala de seu apartamento quase nada sugere a ideia de decoração. Imagens não ornam paredes, caixas empilham-se umas sobre as outras e uma lousa com o alfabeto sânscrito ladeia uma pilha caótica de peças de xadrez. Em um canto, cartazes carcomidos dos filmes “Meteorango Kid” e “Idade da Terra” dão testemunho de seu ofício como designer.
— Recebo (convites), mas recuso. Não tô mais fazendo — diz Rogério, sobre projetos como artista gráfico. — Minha obra é histórica, pertence a um momento da história do design mundial, não é para ser pasteurizada.
Afastado do design, foi professor universitário e encurtou a distância entre o leitor brasileiro e a literatura sânscrita. É dele a primeira versão direta para o português do épico hinduísta “Bhagavad Gita”, publicado nos anos 1990 pela editora Companhia das Letras. Sem grande repercussão, lançou em novembro passado sua tradução do “Gitagovinda”, poema medieval de Jayadeva Goswami que narra os passatempos sexuais de Krishna às margens do Rio Jamuna. Conhecido por sua visão erotizada da transcendência, o texto pertence ao cânone das letras indianas.
— Ali tem coisas que só os grandes poetas do Ocidente alcançaram, como (T.S.) Eliot, Goethe… — diz Rogério, admirador exaltado da comunhão entre o sexo e o divino que há em “Gitagovinda”. — É absolutamente necessário que nossa mente suja ocidental seja lavada pelas águas eróticas do Rio Jamuna, para a gente entender que sexo é a coisa mais nobre e sublime.
Karma e tortura
Chancelada pelo professor Howard Resnick, PhD em sânscrito pela Universidade de Harvard, a edição brasileira de “Gitagovinda” saiu com a módica tiragem de mil exemplares. Rogério revisou, editou, elaborou a capa e bancou-a do próprio bolso.
Grande parte da obra pela qual Rogério é celebrado se concentra na década de 1960. A pujança criativa desse período seria abalada na Páscoa de 1968, quando ele e seu irmão Ronaldo participaram de um protesto no Centro do Rio e foram presos e torturados por militares. O nome Rogério Duarte Guimarães pode ser encontrado em relatórios dos órgãos de repressão recém-abertos no Arquivo Nacional. Em ficha do SNI (Sistema Nacional de Informações) emitida cinco dias após sua soltura da prisão, ele ocupa menos de meia página e é descrito sucintamente como “elemento de esquerda, assim como o irmão Ronaldo, ligado às atividades de artes plásticas”. Um carimbo estampado ao final da ficha informa que anexos foram destruídos. À época, a notícia da prisão dos irmãos Duarte — uma das primeiras denúncias contra a tortura cometida pelo exército — provocou sismos na opinião púbica pré-AI-5.
Quarenta e quatro anos depois, a posição de Rogério sobre o episódio da tortura é matizada. Como anistiado, reclama uma reparação mais justa e diz guardar “um pouco de mágoa”. Espiritualmente, a interpretação é outra.
— O trauma, só a filosofia da Índia explica: a teoria do karma. De algum modo aquilo teria que acontecer. É a teoria de Jung, da sincronicidade. Não existe acaso puro, as coisas têm um sentido. Porque tudo poderia ser evitado, eu poderia simplesmente não ter ido ali naquele dia. Algo em mim me levou para as câmaras de tortura — diz, sem qualquer tom de ironia ou amargura. — Antes, era para mim tão inimaginável a ideia de ser torturado que, por uma estranha razão, talvez eu pensasse: “É a única coisa que não experimentei”.
Rogério conservou ao longo da vida uma saudável antipatia a receituários. Conhecedor de arte burguesa na fauna marxista do CPC (Centro Popular de Cultura) da UNE, hinduísta entre universitários, intelectual de esquerda entre hinduístas, sua figura jamais comportou descrições fáceis. Não por acaso, ele costuma reivindicar para si um lugar de marginal na arte brasileira. Traduzir sânscrito seria apenas a etapa mais recente de uma obra historicamente ungida pela dissonância. O aspecto iconoclasta de suas ideias teve impacto fundo na formação de tropicalistas mais novos, como Caetano e Gil.
— Conversávamos muito. E sobre mil assuntos. Sobretudo, ele falava. Eu adorava ouvir e aprender — conta Caetano, sobre a convivência no período tropicalista.
Rogério é padrinho do primeiro filho do compositor, Moreno, e um sentido mútuo de admiração ainda hoje acompanha a amizade entre eles.
— Sua dedicação ao estudo e à tradução desses textos (em sânscrito) deveria ser acompanhada com grande seriedade crítica — diz Caetano. — Ainda assim, o conjunto de suas atividades não pode prescindir da mensagem perene de atirar-se à margem da margem. Essa atitude existencial dá cor especial a cada trabalho, a cada gesto de Rogério.
Para os Hare Krishnas, Rogério Duarte é Raghunatha das. A inflexão ao hinduísmo data do fim dos anos 1970 e coincide com sua fase de maior ostracismo. Os esforços mais recentes em trazê-lo à baila vêm do exterior e atualizam o poder de suas ideias. Em 2009, ele foi homenageado com uma retrospectiva individual na Narrow Gallery, em Melbourne, Austrália. Um ano depois, a revista japonesa de design “Idea” dedicou 24 páginas à sua obra.
Apesar de celebrações esporádicas, Rogério crê que seu legado ainda exige revisão. Para ele, seus cartazes e capas de discos teriam transcendido sua função original de uso e ganhado autonomia como arte histórica.
— Velázquez pode ter feito retratos de encomenda, assim como eu fiz capas, mas depois eles passaram a valer milhões de dólares. Andy Warhol fez capas de disco e cartazes igual a mim. Mas Andy Warhol vale milhões de dólares, e eu quero que Rogério Duarte valha pelo menos milhões de reais — diz, com um sorriso jocoso por baixo do bigode. — Quando eu digo milhões, milhões não é nada. É o valor real que eu quero. É a devida consideração pela criatividade, pela inteligência que ordenou aquilo, pela capacidade de síntese e também pela novidade.
Entre soberbo e abnegado
Dado a autoelogios, Rogério deixa a forte impressão de ser um homem cindido. Ao longo da conversa, ora compraz a si mesmo com sua figura de jovem prodígio, e até se permite ataques de genialidade (“Eu já nasci erudito”), ora palavras em sânscrito se insinuam em sua fala e reavivam os temas religiosos que hoje ordenam seu mundo.
Apelidado de Caos na juventude, aos 73 anos Rogério parece oscilar entre o artista soberbo e o discípulo abnegado de Krishna. E é aí que a tarde cai, e ele mira o relógio. Pede licença para rezar seu último mantra do dia. Fecha os olhos e balbucia orações por entre os fios da barba grisalha. Minutos depois, reabre-os e diz:
— Essas coisas que eu te falei agora, que sou um grande artista, que devo ser reconhecido, justiçado: tudo isso é Maia (ilusão). Fiz essa meditação agora para me devolver a mim mesmo.
Mais adiante, pede que interrompamos a entrevista. A fragilidade das cordas vocais ameaça a conversa. Despede-se com gentileza, fecha a porta e volta a recolher-se. No encontro anterior, havia dito que, a esta altura da vida, a poesia era a única coisa que lhe restava. Recentemente, Rogério voltou a escrevê-la. Em sua página do Facebook, publicou uma quadra:
“Agora entendo o mistério/ Desse nó que não desata/ Eu preciso ser Rogério/ Pra também ser Raghunatha.”

P.S. : essa entrevista é um poema intenso juntando duas grandezas: a do repórter e a do mestre Duarte: é de chorar. E de alegria!

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Imagens Maria

(Foto Marisa Alvarez)

É exatamente esse instante dela que me fascina: o ar de menina confundindo-se com a natureza, revelando a rara beleza da mulher . Centelhas de doçura e força conduzindo a voz que se levanta das manhãs primaveris, do outono sem  medo, do inverno aquecido, do verão em segredo e fogo.  Um quase sorriso para ampliar o mistério que ela traz quando canta. Mas a imagem, em silêncio, instaura enigmas também.

Se degusta com os olhos e a audição; se investiga através do impacto da emoção; se recria em talhas da qualidade  desse ser religado aos elementos mais naturais: cabaça d'água, cabeça de fogo. Encosto o ouvido no chão e ouço este canto interplanetário se expressando para o além daqui. Navego o mar de mim para me ter dentro do olhar dela. Escrevo  o desenho das mãos que são borboletas e o brilho dos olhos que é águia leoa  búfalo sereia inspiração.

Todo  perigo mora ali como as águas doces de Oxum. Ela transpirando a sedução que muda a rota dos conceitos, que autentica um país em nome dos amálgamas da sua presença negro-morena na verve miscigenação. Esse ar de menina é dança e alcança a leveza que ela não tem. Descortina-se para ser alteza nos palcos, sendo rainha de verdade.

Desse jeito forte doce ela rasga. Corta até o som. Repete-se por competência e permanece altiva colhendo rosas vermelhas brancas amarelas acima dos estabelecidos. Outra espécie de revolução. Corta. Rasga. Ensina. Uma foto quase sorriso o dorso despido o canto imensidão. Signos do artista. A beleza sumidouro de regras. A beleza resultante da qualidade. Viva.

Entrada para a perdição; saída da fruição saboreada. Gozo dos sentidos entre o permitido e o proibido, o sagrado e o profano. Emissão no ar do canto poesia. Literatura da voz dando norte aos seus espectadores... Estesias da música.

Começo: Imagem: Maria.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Com o brilho da pele

E tem razão de ser,
tocar por dentro,
rever...

Luz que se semeia,
cânticos transatlânticos,
no eu e você...

Fascínio na pele que brilha,
os dias que irão amanhecer.

O lugar da eternidade,
oração ancestral
na boca humana da África,
dentro da paisagem carnal.

 Beleza profunda
ao mundo se dando;
música difusa
aos ouvintes encantando...

Raiz de todo saber,
a alma que renasce
entre  a ânsia e o desejo,
fertiliza estranhos olhares.

Do sorriso


Quando ele se junta ao brilho dos olhos, um espetáculo humano se anuncia. Ele cruza a dureza dos dias se fazendo a paisagem mais desejada. Triunfo nas histórias de amor; fogo alto abrasando as paixões correspondidas.

Ele escreve o passar dos anos simbolizando, com a leveza, a vida. Seu toque é o fulminante que não fulmina. Acorda para o prazer e para a vertiginosa vontade de abraçar quem dele se lança.

Uma pintura traduzida em manhãs ensolaradas, e com brisa, em  noites aquecidas por vinho música poesia: encontro de dentes.

Quanto frescor traz faz o sorriso. Ainda mais se misterioso e profundo, se límpido e inocente, se generoso e sensível... Carnaval que vai ao blue da existência, acelerando as ondas do mar. Ele age sem sofreguidão, mas é lânguido também. Ponte - o sorriso é a ponte que aproxima, aglutina, mistura, conflita, mas sempre salva. É amizade.

Aquela batida fazendo o corpo mexer. A torcida para que tudo dê certo. Aquele silêncio que ensina sem didáticas; a sensação do contido que se externa mas não barulha.

O sorriso é uma espécie de dança, com movimentos serenos, coreografia rara irreprodutível, instante fotográfico, dizer magnífico na ausência de palavras.

Amor sendo. Em todas as possibilidades relacionais. Desconserto e, às vezes, agressão. Melhoramento onírico, arquiteturas do sexo.

Solidamente aquático, dos olhos à boca: o sorriso é a tentação da qual ninguém escapa.