segunda-feira, 30 de abril de 2012

Sem chances

"Eu agora sei, eu sou só
Eu e minha liberdade que não sei usar
Mas, eu assumo a minha solidão
Sou só, e tenho que viver uma certa glória íntima e silenciosa..."
Clarice Lispector


Sob centelhas da imaginação e alongando o pensamento que me leva para fora de mim. Vivo deste vazio. Mas resoluto. A beleza se forma por onde me ponho a imaginá-la: diante da alma incauta perambulando os jardins do inacessível. Palavra virtual para esta alma virtual traduzindo-se em impossível. E eis a minha solidão. Rabisco no espaço que pode chegar ao mundo; não chega pois que brilha para fora do desejo que me construiu...Vivo quase e assim. Vivo uma glória silenciosa que partilha o insucesso que não há.

Eis-me nesse trânsito. No cansaço do leitor lacônico e na leveza repetida do escritor excessivo. Moinho. Dente careado. Medo de tudo. Água sabotada. Gase. Sombra. Imensidão. Rasgo das palavras erguidas para chamar o amor. O tempo secou meu tempero e me abro para o infinito sem chances.

Tenho Calma



Tenho calma: o sol reapareceu, para mim, nesta manhã de segunda-feira e sem segredos. Tomou-me de frente numa fazedura  de felicidade. Tomou-me na coloratura do canto de  Fábio Cascadura e  meio jazz meio rock convidou-me a  levantar, a sorrir para vida, a sair de casa e a produzir em minhas caminhadas algumas peças poéticas.

Tenho calma nessa evolução de mim mesmo deixando outros eus para trás. E faço milagres quando esmago não e canto índio para outro sentido do humano que me quero. Vivo essa energia solar a comandar o desejo de algo fazer. Sol pela estrada ao destino maior do mar que sou eu. Flutuo bem acima da igreja vista da minha janela. Toco na mão de Nossa Senhora e emplaco, em instantes de anjo, meu lugar na eternidade.

Tenho calma porque compreendi. Desacato ofensas, mas entendo a dor que corrompe a alegria que me define. Na rua, tropical e pobre, linda porque negra, entre o azul do céu e o verde-azul do mar, cinzas do eterno carnaval, nesta calçada esburacada como  meu peito mergulhado no que passou, compro flores amarelas para alguém que não as receberá. Vivo nesta imprecisão: a cidade, a saudade, o quase.

Mas tenho calma.

domingo, 29 de abril de 2012

Mãe Val de Airá: emblema sacerdotal



Também é do Obá Kossô, o orixá Xangô dos iorubanos, segundo os registros memoriais dos mais antigos do candomblé baiano, a herança religiosa que ergueu o Terreiro do Cobre, fundado pela lendária Margarida de Xangô, mãe de Flaviana Bianc de Oxum, proeminente seguidora dos ensinamentos ancestrais desta Casa, que, hoje, é governada pela jovem e atuante Valnízia de Oliveira, mais conhecida como mãe Val de Airá.

Mãe Val, com apenas 52 anos, jovem em relação à temporalidade que marca a grandeza sacerdotal das damas do nosso candomblé, comanda com doçura, sabedoria, honra, respeito, tradição o importante Terreiro do Cobre, memorável na Bahia, no que diz respeito às liturgias que configuram a chamada nação de Ketu. Uma elegante senhora que foi iniciada nos idos de 1976, no seio da tradição jeje-nagô: o Terreiro da Casa Branca, hoje sob os cuidados de mãe Tatá de Oxum.

A história é esta: Mãe Val é herdeira absoluta do matriarcado sacerdotal do Cobre, mas teve sua iniciação no Ilê Axé Iyá Nassô Oká, conhecido como Casa Branca, o primeiro do Brasil advindo da tradição composta pelo antigo Terreiro da Barroquinha. Sua trajetória espelha a de muitas mulheres negras que nasceram com a missão de cultuar, no comando, os orixás que hoje exprimem a cara física e ancestral da maioria do povo nascido na cidade do Salvador.

Ela faz um expressivo sacerdócio unindo sabedoria litúrgica ao bom senso que deve guiar qualquer liderança e imprime sua alteridade ao lidar com respeito com as diversidades étnicas, sexuais, ideológicas, combatendo - é claro! - o racismo, a homofobia e outras intolerâncias.  Uma dama ao tratar com seu povo de santo, a dialogar com os irmãos de outras nações, como os ainda subestimados da nação Congo-angola, tão majestosos ancestrais tradicionais quanto ela mesma. Ou seja, mãe Val não faz favor a ninguém, só reconhece a grandeza do outro.

Essas linhas, que narram a presença desta mulher, nascem das águas de Iemanjá e Oxaguian em nome de Airá, soberana força que ajuda mãe Val a perpetuar o sagrado negro em nós.
(Publicado no Opinião do Jornal A Tarde, em 27/04/2012)

Sete dias com Marylin



Às vezes quando muito, nos sentimos tão pouco, e deixamos que outros nos afoguem naquilo que parecia que nos faria felizes. Aprender a dizer não e abandonar o que é sucesso mas nos torna infelizes.
Estou mergulhado em reflexões por causa de 7 dias com Marylin. Ela que sempre me comoveu, neste filme comoveu ainda mais. Sir Olivier, Vivien Leigh, a arte de representar à luz de Shakespeare, e o talento inclassificável de Marylin frente a uma câmera.
A história seria tão linda e tão leve quanto a personagem que é um dos maiores mitos do cinema mundial, mas justamente por causa dela, o abandono dela, a insegurança dela, dói tanto e a gente lamenta existencialmente. Muitos planos e vou fazer silêncio.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Não-sei-o -quê

O que fazer diante das grandes limitações? Qual caminho percorrer se no mais de tudo só há nada? Onde encontrar o mar que o vento traz e sinto pelo olfato? Teria me perdido da criança de mim já que não rio mais? As terríveis limitações encurralando-me no deserto que me lançaram? Não soube ou não quis sair? Rasgo? Toda forma do querer, em mim, é vã? A íngrime subida da morada vivida em algum pedido longe daqui? Que distância? Que medo? Choro? Está sobre minha cabeça o tronco bendito da Jaqueira? O que me anuncia? As perversas limitações? Troco língua com o improvável? O mistério às vezes me quer onde eu um dia quis? Ler poesia aniquila? Pensar o mundo corrói? Qual o lugar da paz? Em que curva há mais vento? Que perfume maldito e eterno é este nas minhas narinas? É mais forte que o mar? Cheiro a camisa? A vida passou? Escrevo? Mesmo besteiras?Acima do telhado da igreja mora um anjo? Deus existe no Ocidente? Meus olhos são castanhos? Em que estrada e em qual melodia? A ponte caiu? O mundo cresceu? A fé não me deixa.

Pelas mãos

Caçando a mim mesmo na imagem tranquila que vi no espelho.
Esperando o outono como inspiração, contra este calor em aridez.
São todos os dias e amanheço para fazer tanto não tendo nada.
O peito em calmaria só deixa o restante mais insuportável.
Digo: alento do escrever tosco que imputo...
Meus livros sem leitores e meus olhos em amores...
Perco. Driblo. Minto. Sou o mais verdadeiro.
Humano sem forma no corpo e na escrita.
Eterno na duração do amor que não me segurou
Pelas mãos.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Pixinguinha



Só bastava ouvir Rosa e pronto: a vida recomeçava a me projetar para os caminhos da excelência. Eu sentiria a amplidão do saber fazer, comunicar emoção, aludir o mais íntimo, dominar matemáticas, filosofar... Mas tudo foi muito mais que uma só canção. E me sinto sem poder alcançar. Choro de alegria, leio poesia, vejo o mar. Recorro ao meu controlo de qualidade, Maria Bethânia, para ter mais paz e menos vergonha. Olho-me na lindeza dele. O gênio do povo estancando especulações e essa negra negra negra presença. Tomo-me em Caetano para ter a Bahia como lugar. Estesias lunares e este silêncio berrando sobre mim. Para de falar e visite a obra dele, outro me diz... Sigo chorinho, no Rio, de novo, frente ao mar. O verdadeiro mestre nunca morre. Sucumbo sem poder de tradução e me asseguro do que o ouvido me revela sem explicação. Só sinto. Meu mundo também caiu. Mas eu rio e me desfaço sem sofreguidão. Quero só dar amor à memória do mestre. Os dias têm fim. Falta tinta na caneta. A eletrola enguiçou e o mundo é um perverso moinho. Já sei sofrer. Sou diplomado. Amor ao mestre no meu domingo no parque. Sotaque do meu coração. Inspiração cordata. Vaga. Intensidade. São Jorge não falha.

Salve São Jorge



Cuidai para que os sonhos persistam, o amor aconteça, maravilhas se realizem. Não nos falte a força necessária para que possamos nos proteger de nós mesmos e dos que não se cansam de fazer o mal. Grande é seu dia e a devoção do nosso povo!

domingo, 22 de abril de 2012

Jussara Silveira: rara e imprescindível



Ela traz a sua força artística no desenho musical que advém do canto precioso e nítido, esmerada pronúncia, timbre suave e feminino, repertório impecável, sutilezas cênicas de quem finge que não sabe que é uma rainha. Uma simplicidade que comove porque atesta ainda mais a sua grandeza. Cuidados estéticos com o figurino e a beleza natural que carrega em si na sua condição de mulher.

Dia 21 de abril, às 20:30h, outra vez no palco sagrado do Teatro Castro Alves, em Salvador da Bahia, a cantora Jussara Silveira lançou para os baianos o repertório do seu mais recente ( e excelente) CD Ame ou se Mande e dominou a plateia da Casa que a viu nascer para se marcar como uma das mais importantes cantoras brasileiras e encher nosso peito de musicalidade e orgulho.

Escandalosamente: pura emoção. Como está cantando Jussara Silveira?! Como se anuncia e se orquestra o talento e a dignidade da dama dos teatros e das eletrolas mais exigentes deste país?!

É de fazer chorar o novo show. Costuras exatas na fala e no canto exprimindo poesia e realces da cultura amorosa entre os humanos. Querer envelhecer, fazer contato imediato, amar uma filha de Oxum, morar em Marte, não sair da Bahia, dançar um Semba, tocar piano misturado à percussão. O vestido de sereia no prata da deusa Iemanjá, no chumbo de Oxalá, para a voz da filha de Odé.

Só um lamento: o texto desnecessário falado pelo grande percussionista Marcelo Costa numa forçada e imprecisa leitura sobre integração racial.

Para muito mais: ouvir Jussara Silveira é se permitir à raridade de uma cantora imprescindível para os ouvidos de quem não vive sem Música Popular Brasileira.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Madonna - True Blue


Comprar uma camisa branca.
Andar duas horas por dia no Campo Grande.
Visitar Michelle em São Paulo Já.
Meditar umas horinhas na semaninha com o pensamento vazio.
Correr da hipocrisia.
Ler antropologia.
Escrever Clarice Lispector.
Tomar banho de folhas.
Uma bola de sorvete de ameixa.
Fazer mistério.
Evitar correr.
Olhar o mar.
Escrever.
Ser silêncio.
Dançar.
Ao som de Madonna.
Rezar dançando Candomblé.
Sonhar em inglês.
Pensar em códigos do amor.
Serenar por dentro.
Adolescer solar.
Chover de alegria.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Maria Bethânia, cenários e doce


Para deixá-la aqui. Na frente, servindo de alívio para o sem graça da vida ultimamente. Imagem sonora desta mulher que me impele e eu compreendo. Para dias de dengo pelos olhos e ouvidos de mim; paz e sol, mar e trânsitos: o porvir. Canto da arrebatação, o meu lindo no mundo que descrevo assim: nos gestos que percebo nela e que me trazem lições... Me controlo nela, na direta miragem que ela faz tudo melhor. Na arte, na verdade, nos cenários do amor, no seu agridoce em que mais doce não haveria. Maria, mais um pouco da alegria de existir quando ela canta sem fim.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

De relance

A cabeça relembrando cenas  em um quarto de hotel numa cidade do interior. No ano de 1989. O peso de ser jovem discordando e negando o que mais se quer hoje. Idade em avanço é um tormento. Tempo quando nega não para, não cessa. Um copo d'água, meia luz, canção. Ventando essas imagens no antigo desejo e não se sabia que se queria tanto ali. De frente à piscina e à sede. Lugar quente do corpo sonhando.Grande. Quente. A vida pulsando na íntegra rapidez. Cenas de atração e não, o espelho, a manhã, o cobertor. Grosso. Passeio calmo da memória naquilo que veio como destino. O desespero. Um filme sendo rodado. Coragem. Brilho. Suco. Falta do outro líquido. O sumo no sumiço da entrega. Não. O olho de olho na inteireza sob o impacto do medo. O disfarce. A saga calada do impossível. Canção dos Beatles. A língua só no inglês. Outrora. Agora. Não foi. Mas é.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Da chegada transcendente

Hoje a alegria tomou conta de mim. Festejos dos olhos que veem e leem. O mundo. Pequeno e selencioso mundo que guarda o que, em desespero, mas quero. Calei queixas fora e dentro da alma e parti para iluminar-me na luz de notícias que me trouxeram a poesia do anjo. Tudo bem incerto, mas o anjo na sutileza das décadas a preservar o amor que mora em mim. Voando ao redor dos meus sonhos produzindo palavras. Meu sonho entrecores e sabores da boca mais linda que já vi. Era esse sentir de sempre, que vai que vem e me olha do espelho. Sonhei tão realmente, que vivi a ideia de que ser feliz é possível. Notícias da minha imaginação, lugar daninho que me mutila e ilude, mas só sei minha vida melhor ali. Na transcendência da emoção que colore uma espera, que lista primaveras nesse outono sem fim e toco flauta clarinete saxofone e acordo com o anjo, a favor de amor e música, na presença dele como alma da minha paixão.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Iyá Bebê


Todo respeito que me navega, nessa vontade de também dengá-la, essa minha forma de amar e fazer brincadeira aludindo a energia que mais me orienta, a Senhora, essa Mãe.

Esta festa de mimos e vontade de nunca me apartar de Ti. Esse meu banho de coragem nos mares calmos da minha Fé. E a Senhora, essa Mãe, por segundos na minha palavra oração, a Senhora, essa Mãe, minha Iyá Bebê. Não me deixe nunca só, viu?

terça-feira, 10 de abril de 2012

Eu disse tanto, amei tanto, exagerei

Foi porque eu disse tanto, amei tanto, exagerei. Talvez alinhasse minha ãnsia com a sua decisão se eu fosse o que nunca seria... Falasse menos e faltasse mais. O tempo está desértico e todos cada vez mais perversos e a dor , deveras, sem explicação. Tenho aleluias e um conjunto de palavras em inglês: It's up to you e eu boiando na beira do abismo. Faltam-me delicadeza e certezas de que alguma coisa tem. Rabisco o que vivo em maior silêncio e pressinto o fim, de verdade, da fundura que plantei em mim e chamam amor. Toda cor é rubra. Não tenho estoques de palavras que me expressem mais livre e mais serenado. O absoluto me economiza e daí, evito buscas infindas antes... Disse tanto, amei tanto, exagerei.

No mais, não sei se me borro de sangue ou especulo lamentos ou espero amanhcer ou ligo ou grito ou mato de vez ou transformo em nada subo a escada calo o pensamento ou insisto nesta deflagração que sempre faço só em palavras. O corpo já foi.

sábado, 7 de abril de 2012

Billie Holiday, para muito além



Hoje, 07 de abril, é aniversário dela. Renovo-me nesse meu desejo de preservar esta memória e pedir: ouçam-na, deixem-na cantar da eletrola de vocês, espelhando o som da sua voz de amor e dor, por este mundo cada vez mais barulhento e sem brilho. O brilho de Billie para muito além do que podem explicar as palavras. Ouçam em exercício de amor, da eletrola de vocês.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Diário de Campo



Do pensamento: o olhar. Do olhar: o pensamento. Outro mundo se me apresenta. No que vejo estou sem sê-lo. Voo em campo. Imagens sem espelho. A lama toca a pele do meu sapato e sinto a lama na alma... Minha memória está debaixo do sol e superaquecida, corre solta, imagina ineditismo no tudo que já foi  feito.
Escrevo: Pina, lama,sol, cinema, árvore, amor, correria, briga, treva, mentira, fuga, amor... Escrevo com o pensamento que antes era os meus olhos. O tempo castiga e resmungo as sanções.
Perigo no que vejo, sem receio, faço a transcrição. Meu medo é o não lugar. Meu medo é o não lugar que sou. Do que mais não sou, sou o que transcrevo.
Revejo o lugar das cenas e nada mais me é igual. O tormento da escrita que não flagra nada. Ouço uma canção. Trilhos urbanos. O que acende uma cidade. Cheiro de maresia e é como se estivesse no cinema. Perfume do olhar. O que mais enfeitiça e não se pode estranhar: o mar.
Entrevejo perguntas. Não as posso fazer. Corro para o parapeito onde há a menina. Água desliza pela boca e olho no olho da menina. Enfrento este dia de cara limpa à luz do sol. Ainda a mesma canção. São 16 horas e 30 minutos agora; uma hora e meia de observação e uma criança grita.
Voo no campo, meu olhar na beleza agreste de um rapaz e as pequenas coisas sem solução. Participaria melhor com um beijo? Meu corpo diz sim. A teoria, não.
Voo no campo: nada acontece agora, mas estou em agitação. Minha memória é perdição. Sinto saudade . Fome das palavras escritas de alguém. Sede de uns olhos d'água que me afetam à eternidade.
Pensamento nos olhos sem coragem por não alcançar o que mais se teria...
Então, descrevo... O outro que sou eu.