segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Sem Carnaval

Quero ficar longe do Carnaval para estar perto do mar. Preciso de outra festa, tão intensa quanto, só que mais discreta e real. Uma festa que desapure mas evite multidões. Quero o jeito do sol do nordeste, no litoral, dentro de mim. Quero cheiro de gente sob água e sal e uma vida, por instantes, sem explicações banais ou científicas. Quero a vida na velocidade relaxante de uma gargalhada. E sem palavras, me inserir, longe do Carnaval, em dias vivendo felicidade.

João Miguel: ator de verdade

Ele compõe suas personagens na medida da inventividade. Um sujeito bicho das artes cênicas que convida o espectador a pensar ou sentir a história encenada. Um homem-menino que desalinha as regras perversas que fabricam atores no Ocidente, e, acima do conceito de bonito ou dos enquadramentos do politicamente correto, é puríssimo talento. Ator inteiro e de verdade. Vivo de orgulho deste soteropolitano e a alegria me toma quando o vejo deslizar sobre as ruas da Bahia. Mais ainda, quando o vejo atuar, com sabedoria e equilíbrio, em "cenas" que o constroem em mim como o melhor ator de sua geração.

Amor e medo

Quando eu te vejo e me desvio cauto
Da luz de fogo que te cerca, ó bela,
Contigo dizes, suspirando amores:
— "Meu Deus! que gelo, que frieza aquela!"

Como te enganas! meu amor, é chama
Que se alimenta no voraz segredo,
E se te fujo é que te adoro louco...
És bela — eu moço; tens amor, eu — medo...

Tenho medo de mim, de ti, de tudo,
Da luz, da sombra, do silêncio ou vozes.
Das folhas secas, do chorar das fontes,
Das horas longas a correr velozes.

O véu da noite me atormenta em dores
A luz da aurora me enternece os seios,
E ao vento fresco do cair cias tardes,
Eu me estremece de cruéis receios.

É que esse vento que na várzea — ao longe,
Do colmo o fumo caprichoso ondeia,
Soprando um dia tornaria incêndio
A chama viva que teu riso ateia!

Ai! se abrasado crepitasse o cedro,
Cedendo ao raio que a tormenta envia:
Diz: — que seria da plantinha humilde,
Que à sombra dela tão feliz crescia?

A labareda que se enrosca ao tronco
Torrara a planta qual queimara o galho
E a pobre nunca reviver pudera.
Chovesse embora paternal orvalho!

Ai! se te visse no calor da sesta,
A mão tremente no calor das tuas,
Amarrotado o teu vestido branco,
Soltos cabelos nas espáduas nuas!...

Ai! se eu te visse, Madalena pura,
Sobre o veludo reclinada a meio,
Olhos cerrados na volúpia doce,
Os braços frouxos — palpitante o seio!...

Ai! se eu te visse em languidez sublime,
Na face as rosas virginais do pejo,
Trêmula a fala, a protestar baixinho...
Vermelha a boca, soluçando um beijo!...

Diz: — que seria da pureza de anjo,
Das vestes alvas, do candor das asas?
Tu te queimaras, a pisar descalça,
Criança louca — sobre um chão de brasas!

No fogo vivo eu me abrasara inteiro!
Ébrio e sedento na fugaz vertigem,
Vil, machucara com meu dedo impuro
As pobres flores da grinalda virgem!

Vampiro infame, eu sorveria em beijos
Toda a inocência que teu lábio encerra,
E tu serias no lascivo abraço,
Anjo enlodado nos pauis da terra.

Depois... desperta no febril delírio,
— Olhos pisados — como um vão lamento,
Tu perguntaras: que é da minha coroa?...
Eu te diria: desfolhou-a o vento!...

Oh! não me chames coração de gelo!
Bem vês: traí-me no fatal segredo.
Se de ti fujo é que te adoro e muito!
És bela — eu moço; tens amor, eu — medo!...
Casimiro de Abreu

Andar com Fé


Mais um fevereiro se vai, sem se esgotar em mim. O mês da constância do cheiro de maresia que me acompanha noite e dia e me faz acalmar... Se vai me sendo intenso poema que vejo Nela em seu Dois de Fevereiro - porto certeiro onde para sempre quero pousar. Minha alma está molhada na alegria de acreditar. Canto e danço alavancando palavras que me revalam a Ela. Nesse mundo das solidões inexplicáveis, só me posso ser se eu andar com fé.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Yemoja


Toda minha louvação à sua presença. Em águas verdes e azuladas, em desenhos, pinturas, esculturas, pedras e barros. No vento que lhe esfrega em minha face, nas músicas que ouço e endossam o meu louvor à Senhora. Nas palavras de fé em que lhe escrevo, nas flores e perfumes que ofereço, no meu corpo que dança, nos sonhos que tenho. Tudo que for belo à sua presença. Mulher mãe mítica gota d'água que banha em constância o meu ori. Senhora do meu vicejar que me entrega à respiração. Deusa que habita em mim.
Yemoja - detentora das palavras que recebo e profundo mistério de onde nasce a sabedoria, toma conta da minha existência e me permita tempo de escrever e realizar os meus desejos que testemunham a sua força como Mãe Negra Maior deste povo. Odô Iyá!

Um pouco de sábado


Fé.
Movimento que azuleja meu dia.
Água marinha para eu me ter feliz.
Os olhos não se cansam.
A poesia deste dia figura
No meu nascer no lugar.
As sereias cantam e se
Me dão em peixes...
O mar é minha real morada
E leva-me aonde não posso chegar.
O mar me dá asas e sonhos,
Proteje-me o corpo
Que habita a Deusa...
Canções numa manhã
De sol chuva calor
E a brisa dançando
Um pouco de sábado em mim.

Sobre o cinza


E eis que o cinza reina. E chega para embelezar a vida por dentro da tristeza, no desenho da distância, nos entraves da solidão... Eterno crepúsculo em sua beleza própria citando romantismo sem romance. Um instante dos mais profundos: dois quase juntos atormentadamente distantes; dois quase perto no silêncio que maltrata porque aparta...
E eis o cinza reinando nessa coisa que escurece amedronta silencia isola mas embebeda de beleza. A que nos banha de tristeza e, às vezes, inspira.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Morte dos Dias



"A lua já se foi. As Plêiades, como dizia Safo, já foram se deitar. E eu vim-me embora, meu Deus, eu vim-me embora. "
A dor de existir não me quer deixar e todo tempo nessas horas me tem sido crepúsculo, a morte dos dias. Evito pensar em coisas que eliminem o que sinto para não correr o risco de aumentá-la... Eu sou o estar da dor que me acompanha e me tira a noite, a manhã e aquelas tardezinhas em que fazia promessas em sonhar da janela de casa frente ao mar e à inspiração.
Palavrear, agora, nesse instante, é um duplo movimento em direção de caio fernando e clarice. Tenho que ir para dentro daquilo para aprender a ser acima da dor... Sei que deveria imitar os cavalos jovens, mas não, a borboleta se apossou de mim. Uma única vantagem: liberdade. O maior medo: pouco tempo numa pressa imensa de viver. Será que já devo ir embora? Não.
A dor de existir marca em mim os desígnios do destino: tenho que escrever. E beijar a brisa que me chama em minha janela e leva em sua face-vento as cores do meu amor para uns versos alheios... E se vivo, só é por conta disso...

Cláudia Cunha



Venho fazer meu passeio por dentro da brisa
E ter prazer existencial...
O ouvido colado num diafragma
Que respira e traduz melodias...
Emite sons regidos pela voz
Recorrência da melhor beleza,
A que nasce a favor da arte
Vívida na garganta de
Cláudia Cunha.

Dizendo Caio Fernando Abreu


“E me dá uma saudade irracional de você. Uma vontade de chegar perto, de só chegar perto, te olhar sem dizer nada, talvez recitar livros, quem sabe só olhar estrelas… dizer que te considero - pode ser por mais um mês, por mais um ano, ou quem sabe por uma vida - e que hoje, só por hoje ou a partir de hoje (de ontem, de sempre e de nunca), é sincero.”
Caio Fernando Abreu

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Nana Caymmi: além de qualquer razão...


Ela está para a Canção Brasileira como uma Ialaxé está para a manutenção dos rituais que enriquecem a comunicação humana com os Orixás num terreiro de candomblé. Para além das fáceis definições de termos como sublime magnífica maior melhor, é, exatamente, como define Maria Bethânia quando o assunto é Nana: " ela é rara".
Rara porque de uma emoção que se divide em técnica e traz seleta musicalidade saída da garganta de uma mulher. Alguém que enfeitiça e nos convida a sermos provocados pela paixão. Uma artista de uma beleza musical indefinível, que respira mal cantando para fazer do que canta pura arte, onde cada execução se torna obra-prima. Ialaxé da MPB, com respeito ao título sagrado da minha religião, usado aqui só para apurar a sacralidade do trabalho musical desta mulher.
Mas ela me faz mal, causa agonia e seu silêncio dói por traduzir a total solidão, quando nem você mesmo se tem por companhia.
Mas ela me faz bem, gera a tristeza que escreve e que sai para buscar... Uma diva da dor que denota a imensidão desta música no País de Caetano Veloso; uma diva erguida no clã sonoro da Bahia ancestral. Mulher à beira mar que quando quer, põe até minha Grande Mãe pra chorar, mas o que dali brota é o exercício amoroso que ainda vinga neste mundo.
Nana Caymmi nevega para além de qualquer razão. Brasil, aproveita isso!!!

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Eu quero a vida

Eu tenho me olhado desse meu interior que é puro mistério para mim. Peço a mim mesmo que eu me reconheça sem assombros e melhore um pouco, sonhe mais e esteja aberto para os estares da vida que a fazem ter sentido. Estou mergulhado em muitas sensações que doem e não são passado, é um tempo contínuo, outrora agora amanhã: o mesmo instante. Batidas do desejo real e do inverídico... Algo que poderia ser saudável e a ação doce e perversa do ilusório que seduz adoecendo a mente. Mergulho para ter liberdade, mergulho nessa minha própria paisagem para me ver a salvo. Não me sinto vencido... Amedrontado, frágil e esquecido me sinto... Para numa mesma velocidade enfrentar a mim mesmo e soerguer ao som do vento que tira de mim: eu quero a vida.

O homem-poema

Há um sabor qualquer
uma deixa por cima
uma abordagem que
enfeita enfeia encerra.

O homem -poema.

Um tema alinhado ao
destino; vinho tinto
senhoridade...
Caminhar sobre areias
desejar colado ao corpo
experiência...

Enfeiar-se no resumo
que o após traz...
ser silabas do gemido,
muito líquido, arfar...

Enfeitar-se de risos,
de prazer...
Flores ao lado, do outro
as águas do mar...
Em cima a beleza estelar;
embaixo o amor cavalgado.

Encerrar a espera,
levemente embriagado.
Ser o destino numa
justa conclusão...

Separar o homem do poema
E nos perder de imensidão.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011




É bom me apartar da força do canto de Angela; às vezes não tem jeito... Ela cantando o nosso Chico Buarque, é de doer, é de chorar...

Cadê Você (Leila XIV)

Chico Buarque

Me dê noticia de você
Eu gosto um pouco de chorar
A gente quase não se vê
Me deu vontade de lembrar

Me leve um pouco com você
Eu gosto de qualquer lugar
A gente pode se entender
E não saber o que falar

Seria um acontecimento
Mas lógico que você some
No dia em que o seu pensamento
Me chamou

Eu chamo o seu apartamento
Não mora ninguém com esse nome
Que linda a cantiga do vento
Já passou

A gente quase não se vê
Eu só queria me lembrar
Me dê noticia de você
Me deu vontade de voltar

Risque

Palavra Abortiva
Fra
Ter
No

Sem os olhos de alguém

"Nós os poetas erramos, porque rimamos também
Os nossos olhos nos olhos de alguém que não vem"

Seria encontrar-lhe em mim.
Alguma cidade marítima,
que lavasse seus olhos
para que me olhassem
e lhe trouxessem
pelos portões gigantes
da minha espera.

Seria imaginar-lhe
ali em frente sem
roupas ou desistências
fazendo sentido...

Seriam meus olhos como
os seus me dando esperança...
Minha voz ventilando o tempo
para evitar calores,
minhas lágrimas e saliva
banhando-lhe o prazer.

Seria uma canção brasileira
Flecha certeira a lhe afetar...
A saudade feito carta escrita
à mão...
Suas fotos de mim escondidas
e as minhas esquecidas em
qualquer lugar.

Longe do mar de mim.

Perto da serra da desesperança.

Onde vivo sem enxergar.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Lenine e Três Na Folia nos Mascarados

Vote quantas vezes quiser em 3 NA FOLIA e LENINE no BLOCO MASCARADOS - Carnaval 2011!! É só enviar SMS para 49810 com o texto: MASCARADOS 3NAFOLIA A votação vai até dia 25.02. Custo R$ 0,31+ impostos. Vamos nessa!

Tabuleiro BA - A Bahia de todos os sons


Eventaço! No Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro. Que programação, com os meus
Jussara Silveira, Tiganá Santana, Virgínia Rodrigues e Roberto Mendes... Além da exuberante Márcia Castro e dos Grandes Lucas Santana e Jarbas Bittencourt e outros. Maravilhoso.
Deveria ser no Centro Cultural Banco do Brasil, de Salvador! Acompanhem, por favor...

Gal Costa




Simplesmente isso:

"Levo na minha cantiga a imagem da serra
Sei que Jesus não castiga o poeta que erra
Nós os poetas erramos, porque rimamos também
Os nossos olhos nos olhos de alguém que não vem"
Lamartine Babo

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Rimbaud

um quase- segredo,
um erro, uma iluminação.

tão longe sangrando
tão dentro de mim.

aspas na minha adolescência
maneira de desejar escrever.

para aquém da genialidade
o sentir como escopo profundo.

beijo-cuspo em Verlaine
medo animal na África.

asas numa espécie de carnaval
e o silêncio da grande desistência.

outro mito nos olhos meus
numa dança criando obscenidades.

palavra.
fruta-pão para minha fome-existência.

Tão Pequeno

"Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme e se indigne o Céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno?"
Camões/Caetano

Caetano Veloso - Um dia



Como um dia numa festa
Realçavas a manhã
Luz de sol, janela aberta
Festa e verde o teu olhar

Pé de avenca na janela
Brisa verde, verdejar
Vê se alegra tudo agora
Vê se para de chorar

Abre os olhos, mostra o riso
Quero, careço, preciso
De ver você se alegrar
Eu não estou indo-me embora
Tou só preparando a hora
De voltar

No rastro do meu caminho
No brilho longo dos trilhos
Na correnteza do rio
Vou voltando pra você

Na resistência do vento
No tempo que vou e espero
No braço, no pensamento
Vou voltando pra você

No Raso da Catarina
Nas águas de Amaralina
Na calma da calmaria
Longe do mar da Bahia,
Limite da minha vida,
Vou voltando pra você

Vou voltando como um dia
Realçavas a manhã
Entre avencas verde-brisa
Tu de novo sorrirás

E eu te direi que um dia
As estradas voltarão
Voltarão trazendo todos
Para a festa do lugar

Abre os olhos, mostra o riso
Quero, careço, preciso
De ver você se alegrar
Eu não estou indo embora
Tou só preparando a hora
De voltar
De voltar

Caetano Veloso

P.S.: Essa canção entra aqui para homenagear Cláudia Cunha, que a trouxe em tardes dominicais, no Gamboa Nova ( Salvador-Bahia), produzindo beleza com seu canto "todo sentimento". Grava ela, Claudinha. Caetano vai adorar.

Ezra Pound


ENVOI (1919)

Vai, livro natimudo,
E diz a ela
Que um dia me cantou essa canção de Lawes:
Houvesse em nós
Mais canção, menos temas,
Então se acabariam minhas penas,
Meus defeitos sanados em poemas
Para fazê-la eterna em minha voz

Diz a ela que espalha
Tais tesouros no ar,
Sem querer nada mais além de dar
Vida ao momento,
Que eu lhes ordenaria: vivam,
Quais rosas, no âmbar mágico, a compor,
Rubribordadas de ouro, só
Uma substância e cor
Desafiando o tempo.

Diz a ela que vai
Com a canção nos lábios
Mas não canta a canção e ignora
Quem a fez, que talvez uma outra boca
Tão bela quanto a dela
Em novas eras há de ter aos pés
Os que a adoram agora,
Quando os nossos dois pós
Com o de Waller se deponham, mudos,
No olvido que refina a todos nós,
Até que a mutação apague tudo
Salvo a Beleza, a sós.

(tradução de Augusto de Campos)


P.S.: Meu vazio me assemelha aos cheios demais.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Jussara Silveira e Luiz Brasil: Argila




Argila, nas vozes de Jussara e Luiz, é exacerbação da beleza. Jussara é das cantoras que mais amo. Vivo a me curar de tudo quando a escuto e nessa canção, nessa execução no antológico show Nobreza, parece-me ali, que nada mais é preciso saber... Viver pra ouvir e sentir... Esta musa música ao som daquele violão...

Versos


"Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso
(E, sem dúvida, sobretudo o verso)
É o que pode lançar mundos no mundo."
Caetano Veloso
Bem dentro aqui me ardem
os versos que não fiz...
Nada mais perverso
do que querer fazê-los
e não saber...
Ponho-me na cara da rosa
abraço de noite o mar
subo escadarias de igrejas
vivo a jejuar e nada...
Mas meu coração é poeta,
e se segreda em esperas
das palavras que saio
a procurar.

Livros leitores


Tropeçavas nos astros desastrada
Quase não tínhamos livros em casa
E a cidade não tinha livraria
Mas os livros que em nossa vida entraram
São como a radiação de um corpo negro
Apontando pra a expansão do Universo
Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso
(E, sem dúvida, sobretudo o verso)
É o que pode lançar mundos no mundo.
Tropeçavas nos astros desastrada
Sem saber que a ventura e a desventura
Dessa estrada que vai do nada ao nada
São livros e o luar contra a cultura.
Os livros são objetos transcendentes
Mas podemos amá-los do amor táctil
Que votamos aos maços de cigarro
Domá-los, cultivá-los em aquários,
Em estantes, gaiolas, em fogueiras
Ou lançá-los pra fora das janelas
(Talvez isso nos livre de lançarmo-nos)
Ou ­ o que é muito pior ­ por odiarmo-los
Podemos simplesmente escrever um:
Encher de vãs palavras muitas páginas
E de mais confusão as prateleiras.
Tropeçavas nos astros desastrada
Mas pra mim foste a estrela entre as estrelas.
Caetano Veloso, Livros
P.S. : da grandeza beleza agonia dos livros em nossas vidas sob o filtro dele que nos dá uma de nossas melhores poesias... Insisto em Caetano Veloso.


Nas curvas da antropologia



Bem na porta de entrada: as lutas em torno do querer viver e ser; signos gritantes da etnicidade. Alegorias do que fora dito antes, onde hoje é e se sabe, vai até o fim do humano nisto a que chamamos mundo.
É a força do olhar desembocando escritos e alimentando, na superfície, o desejo de encontrar, destrinchar o ser alheio para ao final também se ver ter ali. O humano resistindo, o humuno se desencontrando. A morte como condição para outra vida. A diferença como o que enfeia e limita, assusta e condena, maltrata. As teias da cultura em muitas armadilhas, menores talvez, que a vontade de alguns interpretarem. Ao que se deve ser lido - e que se dê espaços a leituras - pelo viés do compreendido alicerçado pelo sentido e isso: seja a tela rara da ciência. Antropologia.
Como uma ode à alegria: traga a antropologia formas de fazer da diversidade o enorme poema feito por nossa humanidade em tudo que a compõe. Como os xamãs e os golfinhos, a pedra do mar e a dançarina russa; seja na antropologia também, o silêncio das estrelas descrito por um poeta qualquer atrevido. E haja tempo espaço meios para se sonhar.
Como este delírio nas curvas densas da antropologia que espero fazer...

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Zezé Motta e Luiz Melodia: Dores de Amores




Eu morro de amores, eu preciso aprender... Essas vozes,essas caras, essas almas, esses dois artistas! Lindeza em mim.

Tempo dos esconderijos

Nem sempre posso deixar ser
Pois não vivo à luz das certezas...
Antes o mar me ilude e embriaga
E minha sanha é duvidar dos altos
Arrojados senhores das decisões.

Esse é o tempo dos esconderijos
Onde rezo ao vivo às claras
Pedindo sorte à vida...
Indo em frente sozinho.

Quebraram minha lança
E a dança imposta
Não me convida a mudar.

Não sei mais o que é pressa
E choro por tudo que me
Embeleza;
Por tudo que anima
Tudo que enfeitiça
O que traz o sonho...

Ouvinte, choro...

E faço cenas em mim
Com as letras do outro poeta
Na voz drama da minha cantora
Brasil.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Mãe Menininha - sabedoria ancestral

Sonhei com ela desenhando estrelas.
Imensa em sua África sabedoria
Cantando para os orixás.
Sonhei com ela para atingir
Oxum e Nela,
Pedir amor e acordar.
Salve a fragrância da doçura
Abram o frasco do acontecer
E dance Mãe Menininha
Por entre os filhos da Bahia.

P.S.: Todo dia 10 de Fevereiro, Mãe Menininha é festejada como uma das rainhas da Bahia. É o dia do seu nascimento.

Realce

Dani e Toni

Muitos sorrisos.
Lugares lânguidos,
olhos do desejo,
ansiedade.

A beleza dança.
Naquele caso,
canta.

Vontade de pousar por ali.

Versos perdidos de fome,
de sede; canção de Gil...

Ali - homem e mulher -
lindos, o desejo tinindo
brilho de prazer.

Estão caindo as estrelas
preciso tê-las e sonhar.

Retrata-se em mim


Meu anterior é ali e meu depois também.
Muito mais que essências e encantamentos;
A cara que eu escolhi pra mim
E me sangra para além.

E o sorriso...


"Há sorrisos que não são de felicidade, mas sim um modo de chorar com bondade"
Gabriela Mistral

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

O poema de Rimbaud para o mar

"Um barco frágil como a borboleta em maio".

O gênio da poesia francesa escreveu sua obra prima, O barco ébrio, para o mar sem, talvez, tê-lo visto antes... Munido do desejo de encontrar em versos essa soberba expressão da Natureza.
E eu que tanto o vejo, que tanta devoção tenho, quereria um poema meu, altivo e raro, que expressasse a minha embriagada paixão pelo mar.

Segredar


Meus olhos insistem nos seus
E marulham o vinho que não tomamos;
Em minha sede há as suas palavras
E em nossos versos segredos de uma vida
Deslizando a partir do vento,
Nos juntando aos alicerces do mistério.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Retirado do Blog Madame K


Já estamos todos mortos
quando vivos nestas poses
que emprestam aos retratos
certo ar de documento
do quanto fomos, gente,
para algum arremedo
de posteridade. Ah, já estamos
mesmo todos mortos
quando abrimos os olhos
e arreganhamos os dentes
diante de algum fotógrafo.

Kátia Borges

P.S.: Mais dessa poesia dentro de mim... E ainda, James Dean.

Noites sem você

"E de repente, não mais que, uma tarde quase quebrando de tão clara, você chegou na minha saudade."

E tudo já era sem tempo nesse meu peito morto: só saudade. Eu solto no vácuo das minhas ilusões contemplando a paisagem. Nada que fascinasse mais que o desejo de amar em segredo a poesia dos dias em que o vazio se preenchia. Folhas e folhas em branco abismando o sonho de poder escrever, de querer dizer.
Luz acesa na sala da vida amarga: goles de cerveja e o olho perdido entre livros, sem telefone, sem compromisso, sem responsabilidade... O olho absorto na vaga que a solidão deixa. Um poema sobre a mesa recém chegada incitando o morador a ir sem retorno para fora da morada. Uma tarde clara e quente sem caminho para esperança de voltar a ver. Aquele poema sobre a mesa pesando dor e paixão, assimilando confusão, nisso de enlouquecer em cartas a querer trazer o que vela minhas noites de melancolia: sem sono, sem café, sem poesia. Noites sem você.

Vinicius de Moraes: Suspenção


Fora de mim, fora de nós, no espaço, no vago
A música dolente de uma valsa
Em mim, profundamente em mim
A música dolente do teu corpo
E em tudo, vivendo o momento de todas as coisas
A música da noite iluminada.
O ritmo do teu corpo no meu corpo...
O giro suave da valsa longínqua, da valsa suspensa...
Meu peito vivendo teu peito
Meus olhos bebendo teus olhos, bebendo teu rosto
E a vontade de chorar que vinha de todas as coisas.
Rio de Janeiro, 1933
P.S.: Meu Deus, ele poeta assim e diz o mais fundo de mim que ando chorando com todas as coisas...

Pentimentos e rasuras da sua presença


São diversas sonoridades compondo a saudade de sempre. A parede sem o quadro daquela imagem pregada na superfície da alma e os respingos da tinta-lágrima que manchou eternamente o chão da casa. Há vestígios da presença mais que ausente. Os acordes do violino acordam os interstícios do desejo que ainda vai para o amanhã: espera. Uma vinheta é o som da risada que anuncia o dia. Tudo caminha para horas em falta. Ao longe, um tambor é fé e barulho, é dor e silêncio, sendo mais que tudo: clamor para despertar as gentes...
São repetidas palavras para realçar as rasuras. Sobre-humano é padecer assim, entre silhuetas e imperfeitas pinturas da cara mais amada. A noite chega sem nada. O violino cessa som para ser saxofone e a mente não atrapalha. Ouve-se o sentir. A vida pulsa ao meio do cinza que cinge beleza. Nenhuma certeza no silêncio da noite sem nada. Nenhuma roupa contra o frio, nenhum antídoto contra o calor. O tédio é a maior cilada nas escaladas que a memória dá. Ruge aquela ausência: pentimentos da presença no misto verde-azul de um amor que não passou...

Marina Lima: Acontecimentos



Uma das minhas paixões: Marina Lima. Aqui, cantando Acontecimentos, sua canção que eu mais gosto. Saudade tem nome e trilha sonora.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Retratos da Bahia do Mar






O que não se cansa: sereiar minha fé quando ando sobre areia. Me visga os olhos e arrepia a pele me faz sonhar. Sigo água doce e salgada. A deusa dança. Mãe do meu eu criança. Ela dança com os pés apoiados em minha alma. Me faz água a senhora dos iorubanos, dos negros baianos que pedem do Rio Vermelho. Dois de Fevereiro - retratos da Bahia do mar... Retratos da imagem mais profunda: uma negra mãe divina cuidando dos seus filhos nos dando guarida. Naquele dia: Iyá Ogunté em tudo que sonhei para mim.

Por cima do mar

O mar do Porto da Barra
A vida deveria ser mais que tudo
um banho de mar contínuo
noite e dia no Porto da Barra.

Gal Costa: A preta do acarajé





Essa canção é uma etnografia das antigas ganhadeiras baianas. Gal é a voz da imensidão, tradução íntegra do que desenhou o nosso Caymmi. Eu amo isso aí!

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Maria Bethânia deve ser exaltada


Maria Bethânia deve ser exaltada. Por alinhar em seu canto as possibilidades estéticas do povo brasileiro e por fazer valer como beleza os sons dos tambores, a mágica do berimbau, o requebro negro, feminino e masculino, as saias rodadas das baianas filhas e mães-de-santo; por fazer valer as rezas sábias das senhoras do nosso povo; por azeitar, em consonância com outros mestres, a música popular deste País. Por fazer da poesia deslumbramento em pleno século 21 - o das rodas desérticas geradas pela tecno-educação. Por cantar a paixão sangrando como se estivesse nos anos 40 do século anterior. Por despejar fé e símbolos da lítero-musicalidade em uma nação que precisa exigir mais e se ler melhor.



Deve ser exaltada ainda mais quando chega o verão e me vejo obrigado ao imediatismo do corpo, obrigado a dançar a alegria que desmonta a gente da gente - que nos imbeciliza para que muitos engodos artísticos ganhem muito dinheiro. As fábricas da alegria baiana têm feito festas torpes, exilando a gente da expressão coletiva inteligente.



Maria Bethânia chega sem o discurso vazio das altas culturas. Aliás, ela chega sem discurso e sim, numa prece a Santa Bárbara, num Ilu a Oyá, num cântico a Nossa Senhora e a voz a falar e a cantar a cantar e a falar o que o humano precisa ouvir e aprender para crescer nobremente.



Exaltá-la é despertar a nossa exigência, espraiar a referência que ela imprime em todos que a consome. Para marcar que a cultura pop, sem maiores erudições, pode ter um artista daquela estatura; exaltá-la é apontar caminhos para outros e agradá-la para que ela se estimule a continuar a deixar na gente a vontade de um Brasil maior, com leitores não funcionais, nem ouvintes berrantes, nem consumidores apressados pela facilidade do que vêem ou ouvem.



Deve ser exaltada pelas canções que espalha
Pelos poemas que acende em nossa memória
Pela dilacerante voz e paixão...
Exaltada em seu fogo água
Renascendo tempos vitoriosos...
Exaltada para que tenhamos exemplo
Da mulher conduzindo destinos e,
Nos sendo força e inspiração.

Zezé Motta: Negra Melodia


A languidez e beleza assegura sua ancestralidade: é filha de Oxum. Cantora e atriz, uma das grandes representantes da nossa negritude nas artes. Mulher de luta e possibilidades; dias nossos em encantamento. Agora, um CD em homenagem aos grandiosos Luiz Melodia e Jards Macalé: NEGRA MELODIA. Imperdível como arte e como política... Mais que tudo, imperdível porque tem assinatura Zezé nos trabalhos memoráveis de Melodia e Macalé. Viva o negro Brasil!

Manuela Rodrigues, simplesmente

Olhar para ela já bastaria; mas não, é preciso ouvi-la ou lê-la e saber dos caminhos mais profundos de sua beleza. A moça tonifica a paisagem humana negra da Bahia e oferece o seu talento a reflexões alheias, ao pensamento... Sua voz alia o popular contemporâneo a estruturas do belcanto numa investida de precisões poéticas, sintaticamente como os poemas de João Cabral de Melo Neto - matemática da poesia através do canto? Tudo é mais complexo que isso. O mais certo ou simples é ouvir e ver Manuela Rodrigues iluminando lugares de Salvador e constatar este talento que chega para dizer as coisas lindas que tem sido feitas na Bahia e muitos relegam ao alternativo.
Manuela é o seu sorriso, um vinho numa tarde crepuscular nos envolvendo na roda de belas canções. Tem que provar.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Luiz Melodia


A voz dele nos incita a escritos e audições de uma das melhores músicas do mundo: a brasileira. Dizem que é o feitiço da raça. No mais, ele é o nosso negro gato, um dos maiores cantores do mundo. Elegância rascante do homem que é. Pura beleza.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

As encantadas de Mamãe



Quanto maior for a invenção,
ali se resguardará minha melhor verdade.
As criaturas de Mamãe,
minhas irmãs quase peixes.
Das criaturas de Mamãe,
as vozes que trazem aos ouvidos
os sons raríssimos do fundo do mar.

Iemanjá, soberana do 2 de Fevereiro


Minha natureza é pura água. Meus caminhos em sua dureza se suavizam porque me revisto de Fé. O que trago dentro de mim reluz a minha vontade de refrescar o mundo com poesia, com arte. Sou elemento de ação nas mãos da Rainha do Mar. A senhora dos oris que comanda o meu e me acompanha com doçura e proteção.
Sou um filho da Cidade da Bahia - tenho por hábito maior louvar os mares - e viajo todo ano na intensidade de Fé e alegria no Dois de Fevereiro, no Rio Vermelho, na entrega dos presentes à Dona Absoluta da minha crença que se renova sempre em minha vida.
Sou um filho do Candomblé e saúdo meu povo-de-santo que vai à Festa de Iemanjá, a mais nossa, a de toda água nos rios baianos passando pela Baía de Todos os Santos indo para a grandeza do Mar Aberto.
Dois de Fevereiro é meu dia na minha sagrada Bahia!

O sorriso

Hoje,
no calor insuportável:
bebi do seu sorriso e nele,
me perfumei de desejo e alegria.

Jack Kerouac

"Eu só confio nas pessoas loucas, aquelas que são loucas pra viver, loucas para falar, loucas para serem salvas, desejosas de tudo ao mesmo tempo, que nunca bocejam ou dizem uma coisa corriqueira, mas queimam, queimam, queimam, como fabulosas velas amarelas romanas explodindo como aranhas através das estrelas."